por Juliano Simões*
Quem tem mais de 30 anos já deve ter feito este exercício: voltar no tempo 15 anos para bater um papo com você mesmo e comparar o cenário daquela época com os dias de hoje.
Em 2002, a tecnologia da informação era algo bem diferente. O mundo era liderado por empresas como IBM, HP, DELL, Compaq, Cisco, Microsoft e Oracle. Novos desafiantes como Yahoo, Google e eBay ainda davam os primeiros passos. Skype, Dropbox, Facebook e Twitter sequer existiam.
Guardávamos nossas músicas, fotos e arquivos em HDs, CDs, DVDs e Pendrives. Email, ICQ e MSN Messenger eram os principais meios de comunicação via internet.
Todas as empresas operavam com servidores internos e faziam o backup em mídias magnéticas ou ópticas
A internet era pouco integrada às nossas vidas. Quase ninguém dependia fundamentalmente dela para se comunicar, trabalhar e produzir.
O pensamento geral era de que, para proteger devidamente dados e computadores, estes tinham que estar fisicamente conosco, ao alcance da mão. Migrá-los para serviços online simplesmente não era uma opção.
É nesse contexto que encontro o meu “eu” e saio logo perguntando sobre alguns modelos de negócio:
– Você acha que algum dia as pessoas vão preferir alugar música ao invés de comprar?
– E quanto às suas recordações mais preciosas, como fotos e arquivos pessoais, acha que topariam entregar para um terceiro guardar?
– Considera que algum dia as pessoas vão aceitar alugar um sofá, um quarto ou mesmo uma casa inteira para um estranho se hospedar por alguns dias?
– E quanto aos usuários de táxi, acha que concordariam em mudar para um serviço fornecido por motoristas amadores que os transportem em seus próprios carros?
– Acha que as empresas aceitariam terceirizar seus servidores, aplicações e dados para prestadores de serviços que os hospedassem em centros de processamento espalhados ao redor do mundo?
Note que em nenhuma das perguntas acima a tecnologia aparece como ponto central. Tratam-se de dilemas comportamentais e, por isso mesmo, difíceis de mudar. E é justamente nessa linha que o meu “eu” do passado, depois de se encantar por alguns minutos com as possibilidades de um mundo tão fluido, responde desapontado: não vai dar, as pessoas não vão confiar!
É nesse momento que termino a minha viagem e volto para um presente em que virtualmente todas aquelas possibilidades foram realizadas.
O que permitiu tamanha transformação em apenas 15 anos? A primeira resposta que vem a mente é: a tecnologia, claro! Contudo, após a minha breve viagem temporal, sinto-me obrigado a aprofundar essa análise.
Se lá trás o principal obstáculo à adoção dessas novas ofertas de serviço teria sido mesmo a confiança, o que levou as pessoas e as empresas a aceitarem como normal, e até preferirem, consumir tudo como serviço?
Busco razões históricas para a mudança e não as encontro facilmente. Até porque os principais eventos globais dos últimos 15 anos tiveram o poder de fomentar a desconfiança nas pessoas: terrorismo, problemas migratórios, crises econômicas, incertezas no mercado de trabalho, polarização política e notícias falsas.
Porém, observo que um aspecto em especial evoluiu muito nesse período: a capacidade do ser humano colaborar. As redes sociais expandiram nossos círculos de relacionamento, a nuvem ofertou infraestruturas poderosas a preços acessíveis e novos negócios foram viabilizados com base em mecanismos de reputação mantidos pelos usuários.
A colaboração, uma das características essenciais da espécie humana, tem passado por uma expansão sem precedentes. E na base de toda a colaboração está a confiança.
Colaboração, que gera informação, que gera confiança, que gera mais colaboração. Esse é o motor que impulsiona os modelos de negócio que transformam produtos em serviços e redefinem as relações de consumo da nossa era.
Por essa ótica, o avanço da Indústria 4.0 é de fato imponderável, gera oportunidades e desafios, e vai atuar como um divisor de águas para aqueles que se adaptarem ao momento histórico.
*Juliano Simões é Co-founder e CEO da CentralServer.